
Poesia
Não Quero ser Poeta (anti-poeta)*
Não quero fazer isto.
Sou declamador.
Enunciador,
Numa posição.
Falamos do que podemos
porque podemos falar poesia.
A regra do sem-regra
está afinal, cheia de regras.
Será que, ao (pr)escrever
Te libertas?
Pensar que somos livres de pensar
É uma das condições para estarmos presos.
Demos ao “Demos”
a Demo-cracia
que não queria!
(Que) Demo: toda a gente se torna poeta na poesia!!!
Tudo o que é ser poeta é não-poesia.
Ser-se poesia é ser-se (por) todo anti-poeta.
*Publicado: Sensor (2022) Não quero ser Poeta (Anti-Poeta). In (Chiado Books, Ed.)
Entre o Sonho e o Sono – Antologia de Poesia Portuguesa Contemporânea XIV – Tomo II.
7 RAZONS*
Um, vocês não carregam o fardo
do permanente acampamento
no passado e no futuro
imobilismo estanque no presente momento
É outro auguro! Que muro!
Dois, não te pululam nos sentidos
três mil detalhes
Paletas de sons à mistura
Ritmos de cheiros em síncope pura,
Contratempos do outro lado,
viver na pele do outro
num estilo preocupado.
Três, fazer da regra
a violação da regra por convenção
a tudo querer fazer revolução
pretender virar o mundo ao contrário
sendo olhado, ora como genialidade,
ora como aberração!
Quarto, porque a cada opção, a cada pensamento
não imaginam cascatas de eventos
correntes virulentas de conflitos em rebentos
dominâncias e sucções que em banquetes
nos fazem de alimentos!
Acabamos servidos,
empratados e decorados.
E tudo nos sabe a pouco,
tudo parece mero sussurro aos ouvidos.
Acabamos cansados: nas vitórias derrotados.
Quinto, notar no que não se nota
tomar o vulgar por invulgar
ouvir o barulho do silêncio
numa infinita vontade de estar.
Querer ser com a pretensão que o ser
se dispa do fazer,
Enquanto uma floresta de olhos
nos regista e cadastra segundo metas.
Metas, adoram: aos molhos, aos molhos!
Consumir máscaras para poder competir…
sem ter braços de soldado!
Garganta rasa que não sabe grunhir,
pensamento enrolado que não se pode definir!
Em tempo de guerra,
não se precisa de quem limpe as armas.
Sinal de paz?! Jamais!
E as pombas que exorcizam o campo de batalha,
que nele sobrevoam, voando entre nós e por nós?!
Clamais: “Às armas! Às armas!”
Alento estrondoso que vomitamos para “des-belicizar”
Mas o sem-vontade de guerrilhar
desconta às gramas…às gramas!
E a cada grama,
a cada duelo,
desaparece um de nós na trama
se desmonta o elo
se desconecta o esteio
Só depois esta pseudo-sociedade o chama a si,
no que antes batizou como devaneio.
E todos os sensíveis gritam por dentro:
“— Receio! Receio!”
Sexto, ser a permanente negação do que se é
Existir em camadas como o goblé
Sobre-viver pelo síndroma da novidade,
O novo na bruta tempestade
Que nos apaixona e molesta,
Que ginga na sobriedade…
E que…quando nos move
já não presta!
Sétimo, ser gato na sociedade que está com pressa…
Banhos de imersão nesta aceleração convexa.
Dizem:
“—Estica, estica-te que o macaco fica-te curto!”
Querem a infinita perfeição
num ínfimo segundo
e o tempo não estica
ele é um modo de furto.
Ouvimos:
“—Estica, estica-te porque senão o ensaio fica-te curto!”
E nós!?…
Driblamos entre as jibóias
esticamo-nos, fazemo-nos sequóias
mas queremos,
suspender o tempo!
Pixelizar cada momento
e sublimá-los em profanas jóias
de contra-sofrimento,
nos contratempos dum contratempo.
Ser sensível é ser “atravessável”:
por alento, por vento, por movimento — por dentro.
*Musicado no projeto Confraria Afro-Gaélica
Birra
Tens a boca cheia de vidros
cortantes, fazem reentrâncias sanguíneas
nessa beiça de congro.
Estilhaços duma flauta que se partiu.
Cantas aos deuses da cevada.
Cospes entre a rebelião fermentada.
Espuma, gás e travo louro.
Escuro, doce ou obscuro.
Vermelho, agridoce e longo.
Fazes birra.
Pedes ūa birra.
Cerveja…!
*Musicado no projeto Confraria Afro-Gaélica