Quem Sou
A minha professora da primária, querida Umbelina, dizia ao meu pai que eu fui “o mais rápido que já viu a aprender a ler” da sua carreira. Esta mesma professora ficou confusa quando, com apenas 5 anos, levantei a mão para lhe dizer (convicto) que tinha “duas raças” (“branco” e “preto”).
Na minha terra, incrível Esposende, sou conhecido ora como o “filho do Doutor”, ora como “Ket”. Havia ainda uma funcionária do Liceu que me chamava “O insurreto”.
Alguns cientistas e investigadores dirão que sou demasiado “do terreno”. Os profissionais do terreno dirão que sou um “Académico”.
De um grande amigo, já ouvi: “Deixa-te disso, tu és um intelectual!”.
Já me apresentei como (e já me disseram) “Interventor Comunitário”. Muitas vezes, os miúdos com quem trabalhei (as já centenas ), apelidaram-me de “Professor”: o Professor Tiago.
No Bairro do Cerco do Porto, as crianças ciganas batizaram-me de “Pailho dos Jogos”: traduzindo, “O senhor não-cigano dos Jogos”.
Os meus diplomas do Ensino Superior e, consequente, identidade profissional, fazem de mim Criminólogo. Sou aprendiz da Criminologia por paixão. Sou Criminólogo por resultado dessa paixão. Há uma lei em Portugal que me pôs (e em certos aspetos da minha vida ainda me põe) na situação de “Voluntário”.
No encontro com o Street Work Training Institute, aprendi que podia ser “Educador de Rua”, colecionando mais uma designação.
Ao serviço do lançamento da Teach For Portugal, vesti a camisola de “Participante”, depois de “Mentor Pedagógico” e, certamente, a de “Educador”. Após prosseguir esta rampa de lançamento, sou para sempre “Alumni” Teach For Portugal ou o seu carimbo equivalente: “Líder para a Transformação Social”.
Porque faço investigação científica em Criminologia e Ciências Desenvolvimentais, ambas ciências sociais, devo ser “Cientista Social”. Pelo menos, é assim que a academia e o mundo em geral carimbam um aluno de doutoramento – senão um investigador, um aspirante a investigador ou (essa expressão que odeio) o “Investigador-Júnior”.
Se fiz parte de uma organização que promove os direitos humanos das comunidades ciganas em Portugal, talvez alguns me dirão que fui “Ativista” ou quiçá um “Académico-Ativista” ou um “Pracadémico” (pessoas na interseção da prática de terreno e investigação científica).
Como estou envolvido em movimentos de fundação de associações de inovação social, já me puxaram (sem eu saber) para o “ecossistema da inovação social” e me atribuíram, então, o papel de “Empreendedor Social”. Mas, ao mesmo tempo, como ajudo Criminólogos a atingirem o seu máximo potencial, com serviços de consultoria de carreira, isso faz de mim um “Freelancer for-profit a part-time”.
Não contente ainda com tantas “marcas e identidades”, compliquei esta teia ao candidatar-me a um programa doutoral em Ciências da Família na Universidade do Kentucky. Para poder prosseguir a minha educação a este nível (e acreditem, é muito muito caro!!), carreguei no acelerador e candidatei-me a 3 bolsas de estudo. É uma situação mesmo muito improvável, mas consegui assegurar as 3 bolsas de doutoramento. O que é que isto faz de mim? Bolseiro de Doutoramento e Investigação Científica.
E…Por causa das bolsas, também me chamam outros “nomes”: “Lyman T. Johnson Fellow”, “Fulbrighter/Fulbright Scholar” e “la Caixa Foundation post-graduate fellow”.
Se estou a estudar Ciências da Família, devo ser “Doutorando em Ciências da Família”; mas, como a especialidade é desenvolvimento adolescente, devo ser também “Doutorando em Desenvolvimento Adolescente”. Ao mesmo tempo, sou Investigador no “Adolescent Development Lab” do Departamento de Ciências da Família da University of Kentucky.
Já quando me convidam ou contratam para falar aqui e ali ou para promover aprendizagens em crianças, jovens ou adultos, mudo outra vez de designação: o “Palestrante” ou “Formador” ou “Facilitador” ou “Coordenador”. Nas sociedades científicas internacionais, como a American Society of Criminology, dizem-me “Membro-estudante”.
No sentido em que me afilio à divisão de Criminologia Desenvolvimental e Life-Course, isso faz de mim (dizem eles) um “Desenvolvimentalista” – isto é, aquele que está interessado em estudar como as pessoas formam e mudam (ou não) os seus comportamentos, desde que nascem até que morrem. Se essa etiqueta estiver certa, sou um “Desenvolvimentalista” apaixonado.
Foi sobre a Criminologia Desenvolvimental que fiz a minha tese de Mestrado, só que, como utilizei a obra de Michel Foucault “A Arqueologia do Saber” como âncora metodológica, então, isso faz de mim “Crítico” e “Foucauldiano”. E, pelos vistos, deveria fazer do meu intelecto um dispositivo de emulação do que outros pensam e fazem. Como não aceitei isso, sempre fui (assim o disseram) “um orientando que não se deixou orientar”. No dia da defesa da tese, também me chamaram “Positivista” (o que quer que isso signifique!). Ao criticarem a minha forma de escrita em versões iniciais da minha dissertação – dizendo que ela não “servia” para a Ciência – também já me aplicaram a etiqueta de “Barroco”. Talvez fosse a minha inclinação poética a traduzir-se na escrita científica.
E porque escrevo poesia desde os 7 ou 8 anos, participo em performances poéticas e em competições de “poetry slam”, isso deve fazer de mim Escritor, Poeta e/ou “Slammer”.
Por fim, sei que fui o “primeiro” a fazer várias coisas nos meus círculos e realidades (variando desde ao nível da família até ao território nacional e internacional), a inaugurar conquistas, acontecimentos, práticas: isso faz de mim, creio, “Pioneiro”. A título de exemplo, fui o primeiro aluno na Licenciatura em Criminologia a obter 20 valores no Estágio Curricular (que realizei no projeto Cercar-te, no Bairro do Cerco do Porto), inaugurei a Coleção “Projetos e Práticas de Inovação Social” do Observatório das Comunidades Ciganas e creio que serei o primeiro português doutorado em Ciências da Família.
No entanto, todas estas nomenclaturas, atribuições de “pedaços de identidade”, são, maioritariamente, externas – eu não escolhi estes nomes, estas titulações. Elas são “marcas impostas”. Eu aproveito-me delas para explicar às pessoas o que fiz, o que faço, o que sou. Mas nenhuma delas expressa, de forma completa ou fiel, o que sou, o que faço, o que fiz, o que quero fazer, de onde vim e para onde vou. Não vou desenvolver uma fórmula para vocês, mas antes deixar que, ao visitarem esta página, possam apropriar-se e compreender um ou vários fragmentos daquilo que sou.
Esta página trata-se do rasto deixado pelo meu movimento na vida. Ao viajarem por esta página, poderão experienciar o que sou para além das “marcas impostas”. O que sou passa por um “vício” de aprender: um estilo de viver que se pauta por a sensibilidade de querer ser um eterno aprendiz; meditar para criar a mentalidade da exceção à regra e respeitar este corpo onde reverberam as injustiças sociais, para produzir um testemunho performativo, mas fiel, da verdade e da mentira – servindo as pessoas nas situações de injustiça de uma forma autêntica.
Esse eco é marcado por um pensamento mestiço, segundo as regras da hibridez inter-racial e intercultural, onde jaz a minha resistência aos poderes dominantes, para lhes oferecer a dádiva da desobediência por (e com!) generosidade.